sábado, 10 de octubre de 2015

O DOCUMENTO ARQUIVÍSTICO DIGITAL - UM LEGADO A SER PRESERVADO


Ana Suely Pinho Lopes

Brasil



Resumo

O crescente volume de documentos em formato digital vem constituindo o patrimônio arquivístico digital, novo tipo de legado a ser preservado. Em função da rápida obsolescência da tecnologia digital, esse patrimônio arquivístico digital se encontra em risco de sumir e de falta de confiabilidade, tornando-se assim, uma preocupação no mundo inteiro a favor de sua preservação. Este trabalho busca conhecer as estratégias de preservação digital, para contribuir para as discussões e questionamentos sobre documentos arquivísticos digitais. Para tanto, foi realizada uma pesquisa de natureza bibliográfica, a fim de compreender as abordagens acerca da preservação digital, incluindo, além dos normativos, as principais iniciativas brasileiras e internacionais.

Palavras-chave: Documento digital. Patrimônio arquivístico digital. Estratégias de preservação.

Introdução
O aumento crescente da produção de documentos em formato digital é uma preocupação no mundo inteiro, e as instituições se mobilizam em busca de estratégias de guarda que visem à preservação do documento digital considerando a integridade e autenticidade de documentos digitais em locais de armazenamento que garanta as suas características originais e o acesso em longo prazo, considerando que estamos lidando com um dos patrimônios culturais da humanidade: o patrimônio arquivístico digital. Diante desta questão, recorre-se a fontes bibliográficas em busca de abordagens que apresentem soluções de estratégias de preservação digital de forma confiável, considerando os normativos e as iniciativas nacionais e internacionais.

Documento de Arquivo e Patrimônio Arquivístico Digital
Para uma maior compreensão do significado de patrimônio arquivístico digital, há que se contextualizar a essencia do que seja um documento de arquivo. Na visão da arquivologia, seria o documento produzido no decorrer das atividades ou função de uma entidade púbica ou privada, tendo como função primária o registro das atividades ou funções que viabilizam o funcionamento institucional. Estes documentos são geralmente únicos e produzidos de forma orgânica. Sendo assim

Os documentos de arquivo são produzidos por uma entidade pública ou privada ou por uma família ou pessoa no transcurso das funções que justificam sua existência como tal, guardando esses documentos relação orgânica entre si (...) Surgem pois, por motivos funcionais administrativos e legais. Tratam, sobretudo de provar, de testemunhar alguma coisa. Sua apresentação pode ser manuscrita, impressa ou audiovisual; são em geral exemplares únicos e sua gama é variadíssima, assim como sua forma e suporte. (BELLOTTO, 2006, P. 37).      

Diante desta definição, é possível perceber que os documentos de arquivo, mantém uma relação entre si, formando assim um conjunto documental referente a uma pessoa/família ou a uma função dentro de uma organicidade e que essa relação com o seu produtor o define como documento arquivístico e é esta relação que lhe atribui o significado de valor arquivístico.
Para compreensão do documento de arquivo como um patrimônio cultural, segue a citação de Belloto fundamentada em Schellemberg

Os documentos de arquivo são, tanto quanto os livros, os manuscritos, as obras de artes plásticas, de arte literária ou musical, assim como objetos museológicos e o patrimônio arquitetônico, recursos culturais. Fazem parte do patrimônio cultural de uma comunidade, nação ou povo, (BELLOTTO, 2014, P. 308).  

Diante destas citações, pode-se concluir que o documento de arquivo como prova de existência de uma família, de atividade gerada por uma função de uma entidade que justificam suas existências pode fazer parte do patrimônio cultural de uma comunidade, nação ou povo.
            Para dar sequencia com abordagem sobre preservação digital, segue breve definição sobre documento digital e documento arquivístico que auxiliará na compreensão do conceito de documento arquivístico digital, com as características intrínsecas de sua composição tecnológica e os recursos propiciados.
Para a Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos – CTDE, Documento Digital é Informação registrada, codificada em dígitos binários, acessível e interpretável por meio de sistema computacional. (CTDE, 2010).
Considerando o ambiente digital juntamente às características e utilidades do documento digital, o documento arquivístico digital e a sua preservação, de caráter complexo e específico, caractriza-se que, este documento agora para ser fonte de prova, revalorizou o suporte como fundamento para prova, vez que mesmo digital, o suporte é imprescindível, se houver necessidade de migrar, hoje se documenta essa migração para manter a autenticidade, conforme expresso por FLORES (2014).   

O Documento Arquivístico é o objeto de estudo da Arquivologia, justamente pela questão do fortalecimento e necessidade do mesmo, já que a Informação ao ser registrada num suporte, a Diplomática mesmo afirma que esta associação é indissociável, mais ainda com o advento do Digital, que exige para a Autenticidade o registro via sistema e metadados complexos, tais como o PREMIS, de qualquer alteração de suporte. O Documento então, Tipo Documental, reforça que o suporte hoje é fundamental, e caracteriza o Documento Arquivístico como o objeto de estudo da Arquivologia de forma inequívoca e imprescindível para a manutenção da Autenticidade quando devemos analisar conjuntamente o suporte. (FLORES, 2014).


            Perante a revolução que a tecnologia provocou diante da ciência, dos fazeres e, em especificamente, o impacto que causou nos documentos arquivísticos impulsionando a busca por repositórios digitais confiáveis, emergente para a preservação digital em longo prazo, e ainda que, antes do advento dos Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis – RDC-Arq, o que fazíamos era aplicar estratégias de preservação digital; migração, emulação, encapsulamento, refrescamento dentre outras. (FERREIRA), 2006. Hoje temos a favor, a Resolução 39 (CONARQ), que estabelece diretrizes para a implantação de repositórios digitais confiáveis para a transferência e recolhimento de documentos arquivísticos digitais.
            Graças à evolução tecnológica e necessidade surgida pela constante mudança nos softwares, hardwares e suportes e a preocupação com a preservação digital em longo prazo, esta visão mudou, passou a ser a preservação digital em repositórios confiáveis que garantam a autenticidade e integridade dos documentos digitais, relacionada aos Repositórios Arquivísticos Digitais Confiáveis, conforme expresso no Art. 1º da Resolução n° 39 (CONARQ), que concerne em

Recomendar aos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Arquivos – SINAR, que tiverem por finalidade a transferência ou o recolhimento de documentos arquivisticos em formato digital, e de forma a garantir a integridade, a autenticidade, a confiabilidade, a disponibilidade e a preservação desses documentos, a adoção das Diretrizes para a Implementação de Repositórios Digitais Confiáveis  de Doumentos Arquivísticos. (CONARQ, 2014).   

            Com vistas nestas abordagens, conclui-se que, a preservação digital é entendida como estratégia que garante o acesso à informação em meio digital, assegurando a sua autenticidade (FERREIRA, 2006) e integridade (CONARQ, 2004).

A preservação digital – abordagens arquivísticas
                     (FERREIRA), 2006 define preservação digital, como o conjunto de actividades ou processos responsáveis por garantir o acesso continuado a longo prazo à informação e restante património cultural existentes em formatos digitais. O autor segue em sua definição afirmando que

A informação digital consiste na capacidade de garantir que a informação digital permanece acessível e com qualidades de autenticidade suficientes para que possa ser interpretada no futuro recorrendo a uma plataforma tecnológica diferente da utilizada no momento de sua criação. (FERREIRA, 2006).
    
Considerando que a preservação digital é uma “função arquivística destinada a assegurar as atividades de acondicionamento, conservação, armazenamento e restauração de documentos” (CAMARGO E BELLOTTO, 1996) visando a manter os documentos em condições de acesso tanto físico quanto intelectual, cabe à análise sobre que documentos devem-se preservar e para que preservar, ambas questões representam campos de pesquisa em arquivística que ainda tem muito a ser desvendado, o processo de avaliação e o acesso aos documentos preservados.
Partindo do pressuposto de que “o arquivo é visto como um lugar em que a memória se torna participante do processo de identidade, como praxe e representação da sociedade da informação” (BARROS e AMÉLIA, 2009) acende o papel da Arquivística na Ciência da Informação, de contribuir com a manutenção da memória buscando identificar aspectos que fortaleçam a sua formação e o amadurecimento em face da sociedade da informação. 
Para tanto, além de gerenciar um serviço de tratamento e recuperação da informação e atender às necessidades de informação do usuário, o arquivista depara-se com um dos maiores desafios dos tempos atuais: o de preservar a memória dos documentos digitais em se tratando de patrimônio documental.
Para Sant’Anna (2001) é responsabilidade dos arquivos adotarem medidas preventivas e corretivas objetivando minimizar a ação do tempo sobre o suporte físico da informação, assegurando sua disponibilidade. A perspectiva arquivística da preservação parte da compreensão dos limites e significados dos documentos (autenticidade, capacidade probatória, integridade das informações, contexto de produção, manutenção etc.), dando ênfase às tarefas que as organizações e instituições arquivísticas que criam e são responsáveis pela guarda permanente desses documentos devem observar para lidar com objetos digitais autênticos. Salienta ainda que os especialistas da área que trabalham com informação em formatos digitais estão elaborando normas necessárias para armazenar e compartilhar de maneira adequada esses materiais, assim como buscam a formulação de políticas institucionais de preservação. Para RONDINELLI (2002) os documentos eletrônicos exigem mais, uma vez que são constantemente ameaçados pela fragilidade do suporte e pela obsolescência tecnológica. Porém, ela também salienta que esta migração aumenta a possibilidade de adulteração e a garantia da fidedignidade e autenticidade torna-se mais complexa e complicada. (RONDINELLI, 2002).
De acordo com ARELLANO (2004), com o aumento da produção de informação em formato digital, tem sido questionada cada vez mais a importância de se ter garantida a sua disponibilização e preservação por longos períodos de tempo. Afirma ainda que, para os detentores de acervos digitais é cada vez mais imperiosa a necessidade de contar com mecanismos que garantam a preservação de seus documentos em formato digital. Especificamente essa preocupação parte das comunidades responsáveis pelas bibliotecas e pelos arquivos, para as quais o desenvolvimento de padrões e de mecanismo legais para lidar com arquivos eletrônicos precisa de estratégias metodológicas bem definidas.
Veremos a seguir, exemplos de iniciativas estrangeiras e brasileiras, sobre preservação digital, com o objetivo de desenvolver padrões, modelos e normas visando preservar a integridade e o acesso ao documento digital em longo prazo. 

Iniciativas estrangeiras
O Open Archival Information System (OAIS), recomendado pelo Consultative Committee for Space Data Systems (CCSDS, 2002) dos Estados Unidos, define um modelo referencial ISO 14721 de 2003 (International Organization for Standartization – ISO) para o desenvolvimento de Sistemas Abertos de Informações de Arquivos. A aplicação do OAIS em arquivos consiste na organização de pessoas e sistemas, tendo como responsabilidade a preservação e o acesso da informação à comunidade interessada e como foco principal a informação digital.
Já o objetivo geral do International Research on Permanent Authentic Records in Electronic Systems – InterPARES (INTERPARES, 2011), elaborado pela  Universidade de British Columbia, é identificar métodos que garantam a preservação dos documentos digitais a partir do momento em que estes deixam de interessar à instituição que os criou e passam a assumir um contexto de importância histórico-social.
Contextualizando a Europa, traremos como exemplo o de Portugal, o documento “Recomendações para a produção de Planos de Preservação Digital” elaborado pela Direcção Geral de Arquivos, que orienta as unidades de arquivo a tomarem medidas que possam garantir as condições materiais mínimas para garantir a informação digital, durante o período pelo qual a organização necessite. (DGARQ, 2010).

Iniciativas brasileiras
      A Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos (CTDE) foi criada pelo Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), órgão vinculado ao Arquivo Nacional do Brasil e tem função definir normas, diretrizes, procedimentos técnicos e instrumentos legais sobre gestão arquivística e preservação de documentos digitais (CTDE, 2011) e elaborou dentre suas atividades:
q  Estudo dos resultados e conclusões dos projetos internacionais: InterPARES, Pittsburgh, MoReq, DoD, DIRKS, OAIS;
q  Sítio da CTDE: Atas, Textos de gestão e preservação, Glossário, Carta para preservação com perguntas mais freqüentes, Legislação, Referências bibliográficas e sítios de interesse;
q  Elaboração de glossário de termos relacionados aos documentos digitais;
q  Carta para a Preservação do Patrimônio Arquivístico Digital;
q  Resolução nº 20 do Conarq, de 16 de julho de 2004 - Gestão de documentos digitais;
q  Resolução nº 39, de 29 de abril de 2014 – Estabelece diretrizes para a implementação de repositórios confiáveis;
q  Especificação de requisitos funcionais e metadados para sistemas eletrônicos de gestão arquivística de documentos, que atendam às especificidades da legislação e práticas arquivísticas brasileiras;
q  Diretrizes para recolhimento e transferência de documentos digitais às instituições arquivísticas.

Considerações finais
Diante das referências consultadas, identificou-se que há um movimento internacional e nacional pela busca de estratégias que assegurem a preservação do documento arquivístico digital por longo prazo. Tais iniciativas visam minimizar os prováveis problemas de perda da informação no contexto digital. Mesmo diante destas, ainda há muito a ser feito para a implantação de estratégias visando à preservação dos documentos arquivísticos digitais. Porém, existe um esforço significativo por parte de muitas instituições no sentido de encarar os desafios impostos pela preservação de documentos digitais em longo prazo e reduzir possíveis perdas de informação que podem vir a comprometer o patrimônio arquivístico documental. 
Sendo assim, para que não corramos o risco de viver em uma “sociedade sem memória”, preocupação expressa pela UNESCO (2005) em sua resolução sobre preservação digital que “considera urgente a necessidade de salvaguardar os patrimônios culturais digitais, garantindo assim o acesso continuado aos conteúdos e à funcionalidade dos registros eletrônicos autênticos em prol da preservação e do acesso aos documentos, para assegurar os direitos dos cidadãos”, temos o dever de adotar boas práticas de preservação digital para garantir a preservação dos documentos digitais em longo prazo à luz do patrimônio arquivístico digital.


REFERÊNCIAS



BARROS, D. S.; AMELIA, Dulce. Arquivo e memória: uma relação indissociável. Transinformação, Campinas, v. 21, n. 1, p. 56-61, jan./abr., 2009.

BELLOTTO, H. L. Arquivos permanentes: tratamento documental. Rio de janeiro. Ed. da FGV, 2006.

CONARQ. Resolução n° 39, de 29 de abril de 2014. Estabelece diretrizes para a implementação de repositórios digitais confiáveis para a transferência e recolhimento de documentos arquivísticos digitais para instituições arquivísticas dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Integrantes de Arquivos – SINAR. Disponível em: <http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/media/publicacoes/resol_conarq_39_repositorios.pdf> Acesso em: 28. Jun. 2015.

___________________ Carta para a preservação do patrimônio arquivístico digital. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 2004.
___________________Glossário da Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos - CTDE. Disponível em: http://www.documentoseletronicos.arquivonacional.gov.br/media/2008ctdeglossariov5.pdf> Acesso em: 28. Jun. 2015.

FERREIRA, Miguel. Introdução à preservação digital – Conceitos, estratégias e atuais consensos. Portugal: Escola de Engenharia da Universidade do Minho, 2006. Disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/5820/1/livro.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2015.

FLORES. Daniel. Preservação digital em arquivos. Brasília: Slide, 2014. 59 slides. Color. Disponível em: http://pt.slideshare.net/dfloresbr/sinpred-preservao-digital-em-arquivos-07-a-09-maio-2014-prof-dr-daniel-flores-curso-de-arquivologia-da-ufsm-membro-da-ctde-conarq> Acesso em: 29. Jun. 2015.


MÁRDERO ARELLANO, Miguel Ángel, Preservação de documentos digitais, Ci. Inf., Brasília, v. 33, n. 2, p. 15-27, maio/ago. 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ci/v33n2/a02v33n2.pdf> Acesso em: 25 mar. 2014.

RONDINELLI, Rosely Curi. Gerenciamento arquivístico de documentos Eletrônicos: uma abordagem teórica da diplomática arquivística contemporânea. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.

SANT’ANNA, Marcelo Leone. Os desafios da preservação de documentos públicos digitais. Revista IP, v.3, n.2, dez. 2001. Disponível em:


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