Ana Suely Pinho
Lopes
Brasil
Resumo
O crescente volume de documentos em formato digital vem
constituindo o patrimônio arquivístico digital, novo tipo de legado a ser
preservado. Em função da rápida obsolescência da tecnologia digital, esse
patrimônio arquivístico digital se encontra em risco de sumir e de falta de
confiabilidade, tornando-se assim, uma preocupação no mundo inteiro a favor de
sua preservação. Este trabalho busca conhecer as estratégias de preservação
digital, para contribuir para as discussões e questionamentos sobre documentos
arquivísticos digitais. Para tanto, foi realizada uma pesquisa de natureza
bibliográfica, a fim de compreender as abordagens acerca da preservação digital,
incluindo, além dos normativos, as principais iniciativas brasileiras e
internacionais.
Palavras-chave: Documento
digital. Patrimônio arquivístico digital. Estratégias de preservação.
Introdução
O aumento crescente da produção de
documentos em formato digital é uma preocupação no mundo inteiro, e as
instituições se mobilizam em busca de estratégias de guarda que visem à
preservação do documento digital considerando a integridade e autenticidade de
documentos digitais em locais de armazenamento que garanta as suas
características originais e o acesso em longo prazo, considerando que estamos
lidando com um dos patrimônios culturais da humanidade: o patrimônio arquivístico
digital. Diante desta questão, recorre-se a fontes bibliográficas em busca de
abordagens que apresentem soluções de estratégias de preservação digital de
forma confiável, considerando os normativos e as iniciativas nacionais e
internacionais.
Documento
de Arquivo e Patrimônio Arquivístico Digital
Para uma
maior compreensão do significado de patrimônio arquivístico digital, há que se
contextualizar a essencia do que seja um documento de arquivo. Na visão da
arquivologia, seria o documento produzido no decorrer das atividades ou função
de uma entidade púbica ou privada, tendo como função primária o registro das
atividades ou funções que viabilizam o funcionamento institucional. Estes
documentos são geralmente únicos e produzidos de forma orgânica. Sendo assim
Os documentos de arquivo são produzidos por uma entidade pública
ou privada ou por uma família ou pessoa no transcurso das funções que
justificam sua existência como tal, guardando esses documentos relação orgânica
entre si (...) Surgem pois, por motivos funcionais administrativos e legais.
Tratam, sobretudo de provar, de testemunhar alguma coisa. Sua apresentação pode
ser manuscrita, impressa ou audiovisual; são em geral exemplares únicos e sua
gama é variadíssima, assim como sua forma e suporte. (BELLOTTO, 2006, P. 37).
Diante
desta definição, é possível perceber que os documentos de arquivo, mantém uma
relação entre si, formando assim um conjunto documental referente a uma pessoa/família
ou a uma função dentro de uma organicidade e que essa relação com o seu
produtor o define como documento arquivístico e é esta relação que lhe atribui
o significado de valor arquivístico.
Para compreensão
do documento de arquivo como um patrimônio cultural, segue a citação de Belloto
fundamentada em Schellemberg
Os documentos de arquivo são, tanto quanto os livros, os
manuscritos, as obras de artes plásticas, de arte literária ou musical, assim
como objetos museológicos e o patrimônio arquitetônico, recursos culturais. Fazem
parte do patrimônio cultural de uma comunidade, nação ou povo, (BELLOTTO, 2014,
P. 308).
Diante
destas citações, pode-se concluir que o documento de arquivo como prova de
existência de uma família, de atividade gerada por uma função de uma entidade que
justificam suas existências pode fazer parte do patrimônio cultural de uma comunidade,
nação ou povo.
Para dar sequencia com abordagem
sobre preservação digital, segue breve definição sobre documento digital e
documento arquivístico que auxiliará na compreensão do conceito de documento
arquivístico digital, com as características intrínsecas de sua composição
tecnológica e os recursos propiciados.
Para a
Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos – CTDE, Documento Digital é Informação
registrada, codificada em dígitos binários, acessível e interpretável por meio
de sistema computacional. (CTDE, 2010).
Considerando
o ambiente digital juntamente às características e utilidades do documento
digital, o documento arquivístico digital e a sua preservação, de caráter
complexo e específico, caractriza-se que, este documento agora para ser fonte
de prova, revalorizou o suporte como
fundamento para prova, vez que mesmo digital, o suporte é imprescindível, se houver necessidade de migrar, hoje se
documenta essa migração para manter a autenticidade, conforme expresso por
FLORES (2014).
O Documento Arquivístico é o objeto de estudo da Arquivologia,
justamente pela questão do fortalecimento e necessidade do mesmo, já que a
Informação ao ser registrada num suporte, a Diplomática mesmo afirma que esta
associação é indissociável, mais ainda com o advento do Digital, que exige para
a Autenticidade o registro via sistema e metadados complexos, tais como o
PREMIS, de qualquer alteração de suporte. O Documento então, Tipo Documental,
reforça que o suporte hoje é fundamental, e caracteriza o Documento
Arquivístico como o objeto de estudo da Arquivologia de forma inequívoca e
imprescindível para a manutenção da Autenticidade quando devemos analisar
conjuntamente o suporte. (FLORES, 2014).
Perante a revolução que a tecnologia provocou diante da
ciência, dos fazeres e, em especificamente, o impacto que causou nos documentos
arquivísticos impulsionando a busca por repositórios digitais confiáveis, emergente
para a preservação digital em longo prazo, e ainda que, antes do advento dos Repositórios Arquivísticos
Digitais Confiáveis – RDC-Arq, o que fazíamos era aplicar estratégias de
preservação digital; migração, emulação, encapsulamento, refrescamento dentre
outras. (FERREIRA), 2006. Hoje temos a favor, a Resolução 39 (CONARQ), que
estabelece diretrizes para a implantação de repositórios digitais confiáveis
para a transferência e recolhimento de documentos arquivísticos digitais.
Graças à evolução tecnológica e necessidade surgida pela
constante mudança nos softwares, hardwares e suportes e a preocupação com a
preservação digital em longo prazo, esta visão mudou, passou a ser a
preservação digital em repositórios confiáveis que garantam a autenticidade e integridade
dos documentos digitais, relacionada aos Repositórios Arquivísticos Digitais
Confiáveis, conforme expresso no Art. 1º da Resolução n° 39 (CONARQ), que concerne
em
Recomendar
aos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Arquivos – SINAR, que
tiverem por finalidade a transferência ou o recolhimento de documentos
arquivisticos em formato digital, e de forma a garantir a integridade, a
autenticidade, a confiabilidade, a disponibilidade e a preservação desses
documentos, a adoção das Diretrizes para
a Implementação de Repositórios Digitais Confiáveis de Doumentos Arquivísticos. (CONARQ, 2014).
Com
vistas nestas abordagens, conclui-se que, a preservação digital é entendida
como estratégia que garante o acesso à informação em meio digital, assegurando
a sua autenticidade (FERREIRA, 2006) e integridade (CONARQ, 2004).
A preservação
digital – abordagens arquivísticas
(FERREIRA), 2006 define preservação
digital, como o conjunto de actividades ou processos responsáveis por garantir
o acesso continuado a longo prazo à informação e restante património cultural
existentes em formatos digitais. O autor segue em sua definição afirmando que
A
informação digital consiste na capacidade de garantir que a informação digital
permanece acessível e com qualidades de autenticidade suficientes para que
possa ser interpretada no futuro recorrendo a uma plataforma tecnológica
diferente da utilizada no momento de sua criação. (FERREIRA, 2006).
Considerando que a
preservação digital é uma “função arquivística destinada a assegurar as
atividades de acondicionamento, conservação, armazenamento e restauração de
documentos” (CAMARGO E BELLOTTO, 1996) visando a manter os documentos em
condições de acesso tanto físico quanto intelectual, cabe à análise sobre que
documentos devem-se preservar e para que preservar, ambas questões representam
campos de pesquisa em arquivística que ainda tem muito a ser desvendado, o
processo de avaliação e o acesso aos documentos preservados.
Partindo do pressuposto de que “o
arquivo é visto como um lugar em que a memória se torna participante do
processo de identidade, como praxe e representação da sociedade da informação”
(BARROS e AMÉLIA, 2009) acende o papel da Arquivística na Ciência da
Informação, de contribuir com a manutenção da memória buscando identificar
aspectos que fortaleçam a sua formação e o amadurecimento em face da sociedade
da informação.
Para tanto, além de gerenciar um serviço
de tratamento e recuperação da informação e atender às necessidades de
informação do usuário, o arquivista depara-se com um dos maiores desafios dos
tempos atuais: o de preservar a memória dos documentos digitais em se tratando
de patrimônio documental.
Para Sant’Anna
(2001) é responsabilidade dos arquivos adotarem medidas preventivas e
corretivas objetivando minimizar a ação do tempo sobre o suporte físico da
informação, assegurando sua disponibilidade. A perspectiva arquivística da
preservação parte da compreensão dos limites e significados dos documentos
(autenticidade, capacidade probatória, integridade das informações, contexto de
produção, manutenção etc.), dando ênfase às tarefas que as organizações e
instituições arquivísticas que criam e são responsáveis pela guarda permanente
desses documentos devem observar para lidar com objetos digitais autênticos. Salienta
ainda que os especialistas da área que trabalham com informação em formatos
digitais estão elaborando normas necessárias para armazenar e compartilhar de
maneira adequada esses materiais, assim como buscam a formulação de políticas
institucionais de preservação. Para RONDINELLI (2002) os documentos eletrônicos exigem mais, uma
vez que são constantemente ameaçados pela fragilidade do suporte e pela
obsolescência tecnológica. Porém, ela também salienta que esta migração aumenta
a possibilidade de adulteração e a garantia da fidedignidade e autenticidade
torna-se mais complexa e complicada. (RONDINELLI, 2002).
De acordo com ARELLANO (2004), com o
aumento da produção de informação em formato digital, tem sido questionada cada
vez mais a importância de se ter garantida a sua disponibilização e preservação
por longos períodos de tempo. Afirma ainda que, para os detentores de acervos
digitais é cada vez mais imperiosa a necessidade de contar com mecanismos que
garantam a preservação de seus documentos em formato digital. Especificamente
essa preocupação parte das comunidades responsáveis pelas bibliotecas e pelos
arquivos, para as quais o desenvolvimento de padrões e de mecanismo legais para
lidar com arquivos eletrônicos precisa de estratégias metodológicas bem
definidas.
Veremos a seguir, exemplos
de iniciativas estrangeiras e brasileiras, sobre preservação digital, com o
objetivo de desenvolver padrões, modelos e normas visando preservar a
integridade e o acesso ao documento digital em longo prazo.
Iniciativas
estrangeiras
O Open Archival
Information System (OAIS), recomendado pelo Consultative Committee for Space
Data Systems (CCSDS, 2002) dos Estados Unidos, define um modelo referencial ISO
14721 de 2003 (International Organization for Standartization – ISO) para o
desenvolvimento de Sistemas Abertos de Informações de Arquivos. A aplicação do
OAIS em arquivos consiste na organização de pessoas e sistemas, tendo como
responsabilidade a preservação e o acesso da informação à comunidade
interessada e como foco principal a informação digital.
Já o objetivo geral
do International Research on Permanent Authentic Records in Electronic Systems
– InterPARES (INTERPARES, 2011), elaborado pela
Universidade de British Columbia, é identificar métodos que garantam a preservação
dos documentos digitais a partir do momento em que estes deixam de interessar à
instituição que os criou e passam a assumir um contexto de importância
histórico-social.
Contextualizando a
Europa, traremos como exemplo o de Portugal, o documento “Recomendações para a
produção de Planos de Preservação Digital” elaborado pela Direcção Geral de
Arquivos, que orienta as unidades de arquivo a tomarem medidas que possam
garantir as condições materiais mínimas para garantir a informação digital,
durante o período pelo qual a organização necessite. (DGARQ, 2010).
Iniciativas
brasileiras
A Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos
(CTDE) foi criada pelo Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), órgão vinculado
ao Arquivo Nacional do Brasil e tem função definir normas, diretrizes,
procedimentos técnicos e instrumentos legais sobre gestão arquivística e
preservação de documentos digitais (CTDE, 2011) e elaborou dentre suas
atividades:
q Estudo
dos resultados e conclusões dos projetos internacionais: InterPARES,
Pittsburgh, MoReq, DoD, DIRKS, OAIS;
q Sítio
da CTDE: Atas, Textos de gestão e preservação, Glossário, Carta para
preservação com perguntas mais freqüentes, Legislação, Referências
bibliográficas e sítios de interesse;
q Elaboração
de glossário de termos relacionados aos documentos digitais;
q Carta
para a Preservação do Patrimônio Arquivístico Digital;
q Resolução
nº 20 do Conarq, de 16 de julho de 2004 - Gestão de documentos digitais;
q Resolução
nº 39, de 29 de abril de 2014 – Estabelece diretrizes para a implementação de
repositórios confiáveis;
q Especificação
de requisitos funcionais e metadados para sistemas eletrônicos de gestão
arquivística de documentos, que atendam às especificidades da legislação e
práticas arquivísticas brasileiras;
q Diretrizes
para recolhimento e transferência de documentos digitais às instituições
arquivísticas.
Considerações finais
Diante das referências consultadas, identificou-se
que há um movimento internacional e nacional pela busca de estratégias que
assegurem a preservação do documento arquivístico digital por longo prazo. Tais
iniciativas visam minimizar os prováveis problemas de perda da informação no
contexto digital. Mesmo diante destas, ainda há muito a ser feito para a
implantação de estratégias visando à preservação dos documentos arquivísticos
digitais. Porém, existe um esforço significativo por parte de muitas
instituições no sentido de encarar os desafios impostos pela preservação de
documentos digitais em longo prazo e reduzir possíveis perdas de informação que
podem vir a comprometer o patrimônio arquivístico documental.
Sendo assim, para que não corramos o
risco de viver em uma “sociedade sem memória”, preocupação expressa pela UNESCO
(2005) em sua resolução sobre preservação digital que “considera urgente a
necessidade de salvaguardar os patrimônios culturais digitais, garantindo assim
o acesso continuado aos conteúdos e à funcionalidade dos registros eletrônicos
autênticos em prol da preservação e do acesso aos documentos, para assegurar os
direitos dos cidadãos”, temos o dever de adotar boas práticas de preservação
digital para garantir a preservação dos documentos digitais em longo prazo à
luz do patrimônio arquivístico digital.
REFERÊNCIAS
BARROS, D. S.; AMELIA, Dulce. Arquivo
e memória: uma relação indissociável. Transinformação, Campinas, v. 21, n.
1, p. 56-61, jan./abr., 2009.
BELLOTTO, H. L. Arquivos
permanentes: tratamento documental. Rio
de janeiro. Ed. da FGV, 2006.
CONARQ. Resolução n° 39, de 29 de abril de 2014. Estabelece
diretrizes para a implementação de repositórios digitais confiáveis para a
transferência e recolhimento de documentos arquivísticos digitais para instituições
arquivísticas dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Integrantes de
Arquivos – SINAR. Disponível em: <http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/media/publicacoes/resol_conarq_39_repositorios.pdf>
Acesso em: 28. Jun. 2015.
___________________ Carta para a preservação do patrimônio arquivístico digital. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional. 2004.
___________________Glossário da Câmara
Técnica de Documentos Eletrônicos - CTDE. Disponível em: http://www.documentoseletronicos.arquivonacional.gov.br/media/2008ctdeglossariov5.pdf>
Acesso em: 28. Jun. 2015.
FERREIRA, Miguel. Introdução
à preservação digital – Conceitos, estratégias e atuais consensos.
Portugal: Escola de Engenharia da Universidade do Minho, 2006. Disponível em:
https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/5820/1/livro.pdf>. Acesso
em: 12 abr. 2015.
FLORES. Daniel. Preservação
digital em arquivos. Brasília: Slide, 2014. 59 slides. Color. Disponível
em: http://pt.slideshare.net/dfloresbr/sinpred-preservao-digital-em-arquivos-07-a-09-maio-2014-prof-dr-daniel-flores-curso-de-arquivologia-da-ufsm-membro-da-ctde-conarq>
Acesso em: 29. Jun. 2015.
MÁRDERO
ARELLANO, Miguel Ángel, Preservação de
documentos digitais, Ci. Inf., Brasília, v. 33, n. 2, p. 15-27, maio/ago.
2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ci/v33n2/a02v33n2.pdf>
Acesso em: 25 mar. 2014.
RONDINELLI,
Rosely Curi. Gerenciamento arquivístico
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contemporânea. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
SANT’ANNA,
Marcelo Leone. Os desafios da
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2001. Disponível em:
HTTP://informaticapublica.mg.gov.br/revista0302/ip0302santanna.pdf.
Acesso em: 10 out. 2014.
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